quinta-feira, 7 de fevereiro de 2019

“Nós jornalistas temos de tomar as rédeas da nossa profissão e mostrar à sociedade que somos necessários”


Presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas, Maria José Braga, fala sobre os desafios do exercício profissional do Jornalismo ante um mundo marcado pelo excesso de informação e pela desinformação proposital.

Texto: Samira de Castro

Numa sociedade em que o acesso à informação é cada vez mais rápido – em função das tecnologias comunicacionais (popularização da internet, redes sociais e aplicativos de mensagens) -, o papel do Jornalismo e dos jornalistas tem sido colocado à prova constantemente. Como financiar a atividade profissional para que o Jornalismo informativo volte a ter relevância nesse mar de notícias falsificadas propositalmente e de excesso de conteúdos, sobretudo os opinativos?
A resposta para a pergunta do milhão não interessa apenas à categoria dos jornalistas, mas a toda sociedade, que tem no direito à informação a sua capacidade de constituição de cidadania.

Confira a entrevista com a presidenta da Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ), Maria José Braga, por ocasião do I Encontro Regional de Jornalistas do Cariri, realizado pelo Sindicato dos Jornalistas do Ceará (Sindjorce), em Juazeiro do Norte.

Quais os desafios para quem quer fazer jornalismo regional e local hoje?

Maria José Braga: Pra gente falar de jornalismo regional, precisamos falar de jornalismo como uma construção social, uma atividade que surge de uma demanda social para constituição de uma sociedade diferente. O jornalismo começa como um palco de causas. Os primeiros jornais que existiram no mundoe também no Brasiltratavam de causas específicas, ou seja, eram locais de defesas de posições, essencialmente locais de opiniões. Mas o jornalismo dá um salto e deixa de ser apenas o local do debate de opiniões para se tornar o espaço da produção de conhecimento imediato da realidade.

E como se dá essa produção de conhecimento imediato da realidade?

Maria José Braga: Com informação. Saímos do campo da opinião para entrar no campo da informação. Isso, sem sombra de dúvida, representa um salto de qualidade. Porque o espaço da opinião acabava sendo restrito aos que podiam, na época, imprimir a sua opinião. Para dar um exemplo, os defensores da República criaram seus veículos para defender a construção da República no Brasil. Mas quem não tinha meios para fazer sua opinião ser publicada, não tinha voz. O jornalismo informativo veio para dar voz a toda a sociedade. É um salto na constituição do debate na esfera pública. E isso se dá no mundo todo, de forma a fazer com que a esfera pública passe a debater os fatos sociais de relevância. Por isso, essa constituição de veículos informativos representa esse salto de qualidade para o debate público que nós estamos trazendo como necessidade social.

Por que precisava surgir uma atividade humana que criasse esse espaço de discussão coletiva?

Maria José Braga: Porque as sociedades se complexificaram. Antes, nós tínhamos sociedades pequenas, sociedades feudais, em que as decisões eram centralizadas e as execuções eram inquestionáveis. Nós partimos da queda do feudalismo, da constituição das repúblicas, para criar uma sociedade de indivíduos iguais. Se os indivíduos são iguais em direitos, eles têm também direitos iguais nas tomadas de decisões. Isso se torna peremptório para que os cidadãos possam, de fato, ter informação, constituir juízo e agir na sua sociedade, agir no seu local de moradia, no seu local de vida social.

E atualmente, o jornalismo é essa atividade que dá voz, que dá espaço a todos os segmentos da sociedade, que faz com que os grandes debates públicos realmente venham à tona e que a sociedade faça esse debate público e tome as suas decisões conscientemente?

Maria José Braga: Pode não ser, mas deveria! Por que pode não ser? Porque se o jornalismo surge como uma necessidade social, ele se transforma em uma atividade comercial. O jornalismo passa a ser explorado por empresas. E essas empresas fazem com que, em maior ou menor grau, se volte para o início do jornalismo, que era o interesse privado, ou seja, a opinião individual de quem editava o seu jornal. Hoje, nós temos interesses políticos, econômicos e sociais permeando a produção jornalística no Brasil e no mundo.

E o que a gente faz como profissionais, se nós temos essa condicionante do nosso trabalho que é a comercialização da notícia?

Maria José Braga: Um dos gargalos da profissão é exatamente o seu custo. Todo mundo sabe que há um alto investimento na produção da informação de qualidade. Esse alto investimento se dá em pessoas, ou seja nos jornalistas, ele se dá em tempo e em condições de produção. Essa entrada das empresas na produção jornalística se deu para o bem. É claro que tem um aspecto aí que precisa ser questionadoe que nós estamos questionando o tempo todo. Mas se não tivesse investimento financeiro na produção jornalística, nós não teríamos atingido o grau de qualificação técnica que nós temos hoje. Se existem problemas, nós temos que resolver esses problemas. Nós não temos que voltar atrás, não temos que voltar ao jornalismo de opinião. Não temos de cada um ter o seu blog (embora cada um possa ter o seu blog) ou cada segmento da sociedade ter o seu jornal para ter uma produção de informação de qualidade e de interesse geral da sociedade.

E como conseguir produzir esse jornalismo de qualidade?

Maria José Braga: Nós jornalistas temos de tomar as rédeas da nossa profissão. É uma falácia dizer que jornalismo é só manipulação. Essa falácia é dita pela direita e dita pela esquerda brasileira. Essa falácia é dita pelos movimentos sociais. É dita pelos movimentos sindicais dos quais nós jornalistas fazemos parte. Nós jornalistas vivemos em disputa com entidades sindicais que não querem ter jornalistas, que acham que a produção jornalística pode ser feita por qualquer um, que não se importam com o que nós desenvolvemos ao longo dos anos que são: a ética e a técnica jornalística, que vieram para dar à sociedade a legitimidade do nosso trabalho. Eu estou ouvindo especialistas, buscando dados e reproduzindo fatos (…) Isso não é opinião, isso é fundamentação, isso é técnica jornalística para levar uma informação de qualidade, uma informação verídica para toda a sociedade. O conceito de jornalismo se emprega em qualquer situação de produção da informação: internacionalmente, nacionalmente, regionalmente e localmente.

Quais são os desafios profissionais que nós temos?

Maria José Braga: O primeiro deles é um desafio teórico de enfrentarmos o encantamento pela tecnologia. E aí eu chamo a atenção, principalmente, dos mais jovens. As tecnologias foram sendo criadas, ao longo da existência da humanidade, quase sempre para poupar trabalho, o que significa dispensar trabalhadores. Quase nunca foram empregadas para dar mais qualidade de vida para o trabalhador, ou seja, para o trabalhador trabalhar menos e viver melhor. As tecnologias quase sempre foram empregadas para desempregar ou para fazer o trabalhador trabalhar mais! Temos que tomar bastante cuidado com esse embevecimento que nós temos com a tecnologia. A tecnologia é o que nós fazemos dela. E esse cuidado a classe trabalhadora tem que ter como classe. Não podemos cair no conto dos que querem que a gente trabalhe mais e ganhe menos e menos. A classe trabalhadora tem que resistir. E resistir não é negar a tecnologia. Resistir pode ser usar a tecnologia a nosso favor.

E como podemos usar a tecnologia a nosso favor?

Maria José Braga: Hoje, o custo de produção do jornalismo é infinitamente menor do que há 20 anos. Antes, para um jornal circular, precisava do administrativo, passava pelo coração, que era a redação, e tinha uma estrutura imensa que era a distribuição. Muitos jornais faliram por não terem um sistema eficiente de distribuição, que era físico. O jornal tinha que ficar pronto no máximo uma hora da manhã, para os carros serem carregados duas horas da manhã, para chegar nas bancas às 7 da manhã. Isso acabou. Isso é algo muitíssimo vantajoso pra nós jornalistas. Como é vantajoso para nós jornalistas as novas formas de organização da produção que nós podemos ter. Se antes era necessário um capitalista, ou seja, alguém que tivesse capital para montar uma empresa, para contratar jornalista, pra pagar o salário do jornalista, pro jornalista trabalhar, para ter a produção da notícia, hoje, não é fácil, mas a gente pode dizer que os jornalistas podem se organizar e autofinanciar a sua produção.

Como?
Maria José Braga: Primeiramente, com algo que foi tentado nos anos 1980 em vários lugares do Brasil, que são as cooperativas de jornalistas. Com o barateamento da produção, essa forma pode voltar a ser eficiente. E no Brasil tem uma experiência eficiente, aqui perto, em Maceió, a Tribuna Independente, que é um jornal diário impresso, mantido por uma cooperativa de jornalistas e gráficos. A gente tem experiências exitosas na Argentina, na França, na Inglaterra (que ninguém fala, que é muito antiga, no país berço do capitalismo, que é o The Guardian). E tem outra forma que nós também precisamos pensar para produção de jornalismo local, regional e nacional que é o financiamento direto.

Como é esse financiamento direto?

Maria José Braga: É o leitor, o telespectador, o ouvinte pagando para ter acesso à informação. Isso não é fácil! Principalmente num país como o Brasil, que tem uma população de analfabetos funcionais grande. Mas é possívele nós temos que começar a pensar nisso.

Você pode citar algum exemplo bem sucedido?

Maria José Braga: A experiência mais exitosa é do Mediapart, da França, que começou como um jornal online. Eles não aceitam publicidade de nenhuma espécienem privada, nem públicae vivem das assinaturas dos leitores. A experiência já é tão exitosa que eles estão criando uma tv e vão começar a produzir conteúdo de televisão. Os jornalistas ganham bem para isso. Lá na França teve um aspecto,que talvez a gente não consiga aqui: uma espécie de mecenas, um investidor inicial que bancou o projeto. E eles foram atrás de jornalistas e disseram: ‘vocês têm salário garantido por dois anos e, em dois anos, nós temos que provar pra sociedade que nós somos necessários!’ E esse é o grande desafio pra nós jornalistas: nós temos que mostrar pra sociedade que nós somos necessários! Mas pra mostrar que nós somos necessários, temos que oferecer um produto de qualidade, ou seja, temos que oferecer, de fato, informação veraz. Temos que mostrar porque que nós somos diferentes de um blogueiro. Nenhum demérito pros blogueiros, mas o que eu quero dizer é que um blogueiro quase sempre faz opinião e nós estamos fazendo a distinção entre opinião e informação. O elemento do jornalismo é dar de fato condições para que o cidadão analise complexamente uma situação.

“E esse é o grande desafio pra nós jornalistas: nós temos que mostrar pra sociedade que nós somos necessários! Mas pra mostrar que nós somos necessários, temos que oferecer um produto de qualidade, ou seja, temos que oferecer, de fato, informação veraz.”

Como é que a gente consegue fazer isso localmente?

Maria José Braga: É mais fácil começar por regiões pequenas. Creio que é possível, com as prefeituras, com as entidades culturais, começar a discutir educação midiática nas escolas. Podemos ter programas transversais de educação midiática nas escolas. Podemos ter debates mais abertos à sociedade sobre a necessidade da produção jornalística.

Qual o papel do poder público na garantia de produção de jornalismo de qualidade? Ele pode financiar o jornalismo?

Maria José Braga: Nós não podemos ter vergonha de reivindicar financiamento público. O poder público não é obrigado a dar à sociedade as condições básicas para viver em sociedade? Não é papel do poder público, inclusive, custear integralmente educação, saúde, acesso ao judiciário? Por que não é papel do poder público garantir ao cidadão informação jornalística de qualidade? Nós precisamos perder esse pudor! Claro que um doente morrendo na porta de um hospital é mais importante do que ter um jornal impresso para ler na porta do hospital! Mas nós não podemos esquecer que é a informação de qualidade que produz exercício da cidadania. E o que é exercício da cidadania? É o cidadão e a cidadã tendo condições para agir socialmente para que outros direitos sejam garantidos: a escola de boa qualidade, a saúde, a proteção ao meio ambiente, a produção cultural, o entretenimento… Se eu tenho cidadãos e cidadãs que, de fato, conhecem a sua realidade, participam da vida política da sua localidade, esse cidadão e essa cidadã vão exigir mais, vão controlar mais. Controlar no sentido de cobrar, de saber o que os agentes públicos estão fazendo, onde o dinheiro público está sendo empregado. Então, não tenhamos vergonha: o financiamento público para a produção jornalística é essencial! Ele só precisa ser transparente!

Como pode ser esse financiamento público?

Maria José Braga: Esse financiamento pode ser direto, ou seja, o poder público pode, inclusive, ter veículos de comunicação. E nós estamos em defesa da EBCEmpresa Brasil de Comunicação, criada lá atrás pelo então presidente Lula, que fez concurso para jornalista e que, emblematicamente, o primeiro ato do Michel Temer depois do golpe foi mudar o caráter da EBC. O primeiro ato dele como presidente foi publicar uma medida provisória destituindo o Conselho Consultivo da EBC. Isso não foi por acaso, né? É porque a comunicação e a informação jornalística são essenciais para a constituição da cidadania. Então, o poder público pode ter veículos. Nós defendemos um sistema público de comunicação, não estatal, que tenha a participação da sociedade e dos trabalhadores, que a produção de fato atenda os interesses da sociedade. Mas o poder público também pode financiar indiretamente. E faz. Basta ver as verbas que os grandes veículos de comunicação do Brasil recebem dos governos federal, estadual e municipal, diretamente dos governos e através das empresas estatais.

Está casa vez mais difícil o jornalista profissional sobreviver da profissão…

Maria José Braga: Eu tenho colegas em Goiás que estão trabalhando de motorista de Uber para complementar renda. Nós não queremos isso. Nós queremos que o jornalista viva do seu trabalho como jornalista. Queremos que o jornalista ou tenha um emprego, com um patrão contratando a sua mão de obra, ou tenha outras formas para viver do seu trabalho de jornalista. E isso só pode se dar com organização coletiva. Volto a parabenizar o Sindicato dos Jornalistas do Ceará por esse encontro regional, porque nós precisamos fazer esse debate com os jornalistas nos locais de trabalho. E esse local de trabalho deve ser diversificado. E eu vou voltar numa questão que pra mim é primordial, que é o direito do cidadão à informaçãoe eu faço a distinção entre direito à comunicação e direito àinformação porque comunicação, todos nós fazemos. Mas a informação jornalística é algo que de fato faz a diferença na vida de cada cidadão e cada cidadão do Brasil e do mundo. Quando eu falo de organização coletiva, temos que reafirmar a importância do jornalismo como profissão. Jornalismo não é diletantismo. Não é porque eu gosto de escrever que eu sou jornalista; não é porque eu gosto de falar eu sou jornalista; não é porque eu sou bonita e apareço bem no vídeo que eu sou jornalista! O jornalista é um profissional que se qualifica para exercer essa profissão. Ele busca elementos teóricos, busca elementos técnicos e busca seu compromisso ético para exercer essa profissão.

“Não é porque eu gosto de escrever que eu sou jornalista; não é porque eu gosto de falar eu sou jornalista; não é porque eu sou bonita e apareço bem no vídeo que eu sou jornalista! O jornalista é um profissional que se qualifica para exercer essa profissão. Ele busca elementos teóricos, busca elementos técnicos e busca seu compromisso ético para exercer essa profissão.”

O que distingue o profissional jornalista em meio a essa conjuntura em que todo mundo produz conteúdo e emite opinião?

Maria José Braga: O que mais distingue o profissional jornalista é o seu compromisso ético. É ele estar em busca de, de fato, dar à sociedade a informação que ela precisa. E nós filtramos, nós selecionamos, nós excluímos debates. E nós temos que fazer isso pensando sempre no coletivo. E nós temos também compromisso ético com a busca da verdade. A filosofia faz o debate filosófico sobre o que constitui a verdade. Mas, em nenhum momento, a filosofia nega a existência da verdade. Ela busca qual o conceito que melhor expressa a verdade. E para o jornalismo isso é claro: nós trabalhamos com fatos! Trabalhamos com o conceito de verdade factual. São fatos, inclusive, questões menos concretas. Por exemplo: os debates que se dão nacionalmente, as propostas de mudanças na nossa legislação, as propostas de emendas constitucionais. Aí, sim, você pode mostrar o contraditório. Aí, você pode dizer quem é a favor e quem é contra. Mas existem parâmetros para o trabalho jornalístico e essa é a diferença que nós temos em relação a todos os outros que reivindicam a tarefa de serem ‘comunicadores’.

Como é que nós podemos reforças essa diferença?

Maria José Braga: Nós podemos reforçar essa diferença mostrando que esses nossos compromissos éticos são verdadeiros. Ah, mas tem o empregador! Muitas vezes eu não posso fazer o que de fato a ética me manda fazer. Volto a dizer que precisamos de organização. Precisamos ter no Brasil um Estatuto do Jornalismo, que valha para as empresas e para jornalistas. Esse Estatuto tem que garantir a autonomia intelectual do jornalista. Médicos são empregados, trabalham num hospital, têm condicionantes, às vezes o hospital não tem recursos necessários, às vezes têm as políticas, mas, na hora em que o médico está fazendo o trabalho dele, sozinho, com o paciente, ninguém interfere. Do mesmo jeito, o professor. Existem condições de trabalho que, às vezes, impedem determinadas ações, mas o professor tem total autonomia na sala de aulanão sei se vai continuar tendo, porque com essa onda repressora que a sociedade brasileira está vivendo, já temos vários casos de denúncias contra professores por conteúdos dados em sala de aulanãé opinião, é conteúdo. E o jornalista? O jornalista tem que ter autonomia na sua atividade.

E como é que se dá essa autonomia?

Maria José Braga: Ora, quando o jornalista está lá na rua, o patrão não está do lado dele, não! Assim como quando ele chega e senta no computador, o patrão também não está lá, não. É ele! Aí o preposto, outro colega jornalista que já assumiu o papel de chefe, pode até falar pra você que aquilo que você fez não serve. É assim que se dá a resistência. É assim que se dá o debate interno nas redações. Eu faço o que o meu compromisso profissional manda. Se o meu chefe não quiser, ele faça! Esse compromisso, nós precisamos assumir. E precisamos de coragem. O que eu quero que a gente tenha, como categoria, é esse compromisso de defender o jornalismo como essencial. Não é porque tem blog, WhatsApp, Twitter… qualquer outra coisa, que o jornalismo deixou de ser necessário. Pelo contrário: é porque tem blog, porque tem Twitter, porque tem WhatsApp, porque tem Facebook que o jornalismo se tornou mais necessário. Esse excesso de informação, que circula de forma absolutamente descontrolada, não ilumina! Ele ofusca, ele confunde o cidadão! E nós precisamos dizer que o jornalismo, sim, tem de ser referência para o cidadão buscar a informação de qualidade, a informação na qual ele pode confiar. Mas só podemos colocar o jornalismo como essencial se nós profissionais jornalistas mantivermos o nosso compromisso que é técnico, mas essencialmente, ético. Se nós não mantivermos o nosso compromisso, nós não vamos fazer a diferença e não vamos ser necessários. Isso vale para o Crato, para o Juazeiro do Norte, para a região do Cariri, para todo o Ceará, para o Brasil e para todo o mundo.

“Só podemos colocar o jornalismo como essencial se nós profissionais jornalistas mantivermos o nosso compromisso que é técnico, mas essencialmente, ético.”

E como destacar o trabalho profissional do jornalista diante das notícias falsificadas ou fraudulentas?

Maria José Braga: Precisamos mostrar que hoje as mentiras em forma de notícia, que está todo mundo aí chamando de fake news, são mais uma prova da necessidade do jornalismo. Nós jornalistas temos que começar a dizer isso para o cidadão: fake news é uma expressão incoerente por si só porque se é ‘fake’, não pode ser ‘news’, se é ‘news’, não pode ser ‘fake’. Precisamos retomar o conceito de notícia. E nós é que sabemos o que é esse conceito.

E como se combatem essas mentiras?

Maria José Braga: Não somos nós que vamos combate-las. A produção intencional de mentira travestida de notícia se tornou uma indústria. Tem gente no mundo inteiro ganhando dinheiro com isso. E não é ganhando pouco dinheiro. É ganhando muito dinheiro. Isso se tornou, portanto, um problema de polícia porque essas mentiras são intencionais e têm alvo. Elas não são genéricas. E, praticamente, em todo país do mundo, o cidadão e a cidadã estão protegidos. No Brasil nós temos os chamados crimes de opinião: injúria, calúnia e difamação. Nós temos que fazer esse alerta. Não é o boato de antigamente. É indústria da produção de mentiras intencional, com objetivos políticos. Não é só quando se trata de candidato ou de partido. Tem objetivos políticos quando se trata de um sindicalista ou alguém do movimento LGBT, alguém do movimento negro! Temos que alertar a sociedade que nós estamos enfrentando criminosos que precisam ser identificados e punidos. O nosso papel de jornalistas é reafirmar a importância do jornalismo e reafirmar o nosso compromisso ético com a sociedade brasileira. Pra isso, precisamos estar juntos, um segurando a mão do outro, um dando coragem ao outro, um dando suporte ao outro, pra que essa luta não seja individual, mas seja de fato uma luta de categoria e, como categoria, alcancemos essa autonomia profissional que tanto queremos e que consideramos necessária para essa afirmação do jornalismo.

Jornalistas em questão


Faz duas semanas, um jornalista de um canal de televisão francês foi cercado e espancado por coletes amarelos durante uma manifestação, na cidade francesa de Rouen. Isso era previsível, pois os coletes amarelos não escondem sua antipatia e mesmo agressividade ao verem jornalistas nas proximidades.

Por Rui Martins no Observatório da Imprensa

Esse ato de violência materializou a existência de uma deterioração nas relações de uma parcela da população com a mídia em geral, não se trata, portanto, de uma hostilidade contra um ou outro jornal, rádio ou canal de televisão. Esse clima, que desperta entre os jornalistas o sentimento de não serem entendidos, embora procurem ser imparciais nos seus relatos, chegou a tal intensidade que tanto o jornal Liberation como Le Monde e o online Mediapart, tentaram fazer uma análise introspectiva da situação. Um Exame de Confiança, como definiu Liberation.

O clima não é muito diferente entre nós no Brasil. Durante anos, o PT criticou a grande imprensa, considerada a grande responsável dos males brasileiros, com destaque especial para o Jornal Nacional da TV Globo. Isso não impediu que, durante o governo de Dilma Rousseff, a chefe de sua campanha eleitoral, jornalista Helena Chagas, se tornasse ministra da Secretaria de Comunicação Social, e nessa função destinasse à Globo uma importante parcela da verba federal para a imprensa.

Se Dilma ao contrariar seu partido, esperava um tratamento de favor e um certo apoio da Globo, isso não ocorreu quando mais necessitava, logo depois de sua reeleição, no episódio do impeachment. Paradoxalmente, a implosão do PT não favoreceu a Globo, pois se tornou agora um alvo dos evangélicos e do governo que eles apoiam, assim como o jornal Folha de S.Paulo.

Guardadas as proporções e diversidade entre franceses e brasileiros, existe uma certa concordância entre seus militantes de extrema esquerda ou extrema direita: todos olham a grande imprensa como inimiga em potencial. E essa situação se agravou com o surgimento das novas tecnologias da comunicação, pelas quais, mesmo sem ter a pesada estrutura de um órgão de comunicação, pequenos grupos e mesmo alguém isoladamente pode ter acesso a milhares de pessoas pelas redes sociais, blogs, tweets, WhatsApp’s. E ainda mais paradoxal — para fazer funcionar seus “pequenos jornais de opinião” é utilizada a matéria prima veiculada pelas redes de repórteres e de comunicação das grandes agências que abastecem a grande imprensa.

Essas redes paralelas garantem o acesso do leitor, ouvinte ou telespectador a um noticiário verdadeiro, imparcial, desvinculado de tendências políticas, religiosas ou econômicas? Nem sempre, o terreno está minado por fake news, notícias tendenciosas e as exagerações das teorias de complô.

Então, como um cidadão comum, de cultura pouco acima do básico, pode se orientar e fazer suas opções nesses meandros de informações que, na falta de leitura de jornais, livros, pode chegar também por conversas informais, ouvir dizer ou boatos e mesmo bate-papos em botecos, barbearias ou na porta de igrejas? Dificilmente.

Esse é o campo fértil para o surgimento do populismo e nacionalismo. Em contrapartida, os grandes jornais são suficientemente independentes para garantir informações corretas e fidedignas? Nem tanto, a grande imprensa atravessa a crise decorrente da queda de venda dos jornais impressos substituídos pelos digitalizados. Le Monde, Liberation, Le Figaro pertencem agora a grupos, cuja principal preocupação é econômica.

No Brasil, a mídia sempre esteve e continua, em mãos de famílias politicamente de direita. A novidade foi o surgimento de canais de rádio e televisão da Igreja Universal, capitaneados pelo bispo Edir Macedo que, com o apoio do presidente Bolsonaro, tentará tomar a primazia da Globo.

A situação não é das mais animadoras, porém, existe pior: é o controle da mídia pelo Estado, nas ditaduras ou governos de partido único.

O exame de confiança na França

No seu exame de confiança, os jornalistas franceses constataram uma discrepância salarial com relação à maioria da população: os jornalistas ganham em média 3.500 euros, enquanto a média salarial francesa e dos coletes amarelos é de 1.800 euros. Essa diferença cria a desconfiança no povo e ao mesmo tempo dificulta aos jornalistas a compreensão das dificuldades econômicas vividas pela população.

O cofundador da mídia online de investigação Médiacités, Sylvan Morvan, criou com base nisso, uma definição bem apropriada, citada no jornal Liberation: os jornalistas escrevem livremente aquilo para o que são socialmente programados a escrever”.

Critica-se também a ausência de pessoas da classe média ou inferior nas páginas dos jornais, nos quais se mostram sugestões de viagens, hotéis e estilos de vida bons para as classes superiores. Os jornalistas vivem na maioria em Paris, longe das cidades interioranas e de seus problemas e os jornais se desinteressam dos problemas e festas locais. Reunidos e fechados entre si, os jornalistas tornam as redações sem transparência, gerando a desconfiança.

Outra crítica é a de haver muitos comentários e menos reportagens. Os jornalistas gostam de dar suas opiniões de especialistas mas se esquecem de ir buscar opiniões alheias em lugares diferentes. As mesas redondas nas televisões são sempre reuniões de sabidões, incapazes de sair em reportagem. Existem muitas lições de moral em comentários que poucos lêem. Houve uma queda na formação dos jornalistas que não têm tempo para ler e se tornam medíocres.

E no Brasil, qual a crítica?

No Brasil, onde as tiragens dos jornais não chegam a 200 mil, bem longe do número dos habitantes, tomando-se São Paulo, como exemplo, muitas dessas críticas aos jornalistas franceses podem ser aplicadas.

Entretanto, a falha é mais estrutural e envolve principalmente a falta do hábito de leitura e a existência de uma grande parte da população na situação de analfabetos funcionais.

Para eles, pouca diferença faz a existência de uma mídia livre. Enquanto o Brasil não melhorar o nível de suas escolas, o jornalismo continuará sendo elitista, mas deve evitar baixar seu nível para encontrar leitores, a fim de não repetir o ocorrido com a televisão que, na busca de audiência, ficou em geral abaixo da crítica.

Porém a imprensa brasileira pode surpreender. E isso ao fazer, nestas últimas semanas, o diagnóstico do começo do governo Bolsonaro, não temeu o confronto com os apoiadores do populismo-fundamentalista colocado no poder.

Mesmo se isso irritou, para nossa surpresa, um ex-redator-chefe da revista mais lida, a Veja, para o qual não se pode criticar as primeiras semanas do presidente, deve-se esperar seus resultados. E nisso se esqueceu de que as medidas anunciadas contrárias aos direitos humanos, à política de defesa ambiental, à segurança das pessoas com a proliferação de armas, atentatórias às nossas florestas e nossos indígenas são suficientes para alertar os jornalistas quanto aos seus funestos efeitos.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil, e RFI.

Vale recusou monitoramento em tempo real de barragem

Empresa diz que já tem sistema estruturado e que investe em novos processos


Ana Carolina Amaral
SÃO PAULO

Pelo menos duas empresas de tecnologia ofereceram à Vale sistemas mais modernos de monitoramento de barragens, que a mineradora recusou. 
Uma delas, uma startup carioca apresentou em pelo menos três reuniões com diferentes diretorias da mineradora, entre 2016 e 2018, uma tecnologia de detecção em tempo real de pequenos sinais de ruptura em barragens
Sistema Nisar usa satélites, drones e sensores para monitorar barragens em tempo real - Nasa
Devido aos acordos de confidencialidade das negociações, as identidades das empresas de tecnologia foram preservadas na reportagem.
A proposta da startup do Rio complementaria as inspeções quinzenais em campo, principal método usado hoje pela mineradora. A tecnologia combina satélites, drones e sensores para monitorar barragens por imagem, com emissão de alertas em tempo real. 
Segundo um documento do Instituto de Tecnologia da Califórnia sobre barragens, “a configuração de alta resolução do radar pode ser usada para detectar mudanças de pequena escala antes de elas serem visíveis a olho nu”.
Ainda segundo o documento, o sistema Nisar usa sensores de micro-ondas capazes de perceber alterações abaixo do nível da superfície. Com repetição de medições ao longo do ano, o sistema constrói um conjunto de linhas de observações que mostram mudanças atípicas nos arredores das estruturas de barragens, identificando rapidamente pequenas mudanças locais. 
O diagnóstico constante permite o direcionamento imediato de recursos de manutenção e também a reavaliação após abalos ou ameaças.